Espetáculo teatral retrata a solidão da velhice
A peça "Eu, a velha, o cachorro e o rádio" foi encenada ontem (28), no Teatro Benjamin Constant.
Nos corredores do setor de Reabilitação, o assunto nas rodas de conversa girava em torno de um só tema: a velhice em todos os seus aspectos, principalmente o da dependência e o da solidão - temas abordados na peça que acabara de ser vista por uma plateia formada por alunos da segunda fase do ensino fundamental, da reabilitação, pais, acompanhantes e servidores do IBC. A peça retratou a situação de abandono de uma idosa, moradora do décimo andar de um prédio sem elevador, que alimentava, ano após ano e em vão, a esperança de receber a visita do filho no dia do seu aniversário. O isolamento crescente da mulher ia crescendo à medida que ficava mais difícil vencer as escadas que a separavam da rua e das demais pessoas, restando a ela a companhia apenas do cão de estimação, tão velho como ela.
O espetáculo é uma adaptação da peça Morada dos Ossos, uma criação coletiva da Companhia EnsinoEmCena que, por sua vez, foi escrita a partir do texto original com o mesmo nome, do dramaturgo e cineasta Francis Ivanovich. O autor da adaptação exibida no IBC é o ator Paulo Vieira, que participou da montagem original. Neste espetáculo, ele dividiu o palco com o músico George da Paixão que, ao violão, pontuava o monólogo do companheiro de cena com músicas de sua autoria, em parceria com Ivanovich.
"O que me motivou a escrever esse texto foi um fato real acontecido em Portugal, cuja notícia me deixou perturbado na época - a descoberta das ossadas de uma idosa e do seu cão pelo novo proprietário do imóvel onde a senhora viveu e morreu sem que ninguém tenha dado por falta dela", explicou Ivanovich, que esteve presente ao evento. Tanto ele quanto o ator Paulo Vieira identificam um incômodo que esse tema - velhice - desperta entre as pessoas, não só no Brasil como no mundo e que o espetáculo acaba levando às plateias, por mais diferentes que sejam.
"Vivemos uma época em que as pessoas se voltam para si mesmas, se isolam, não pensam no outro. Com o envelhecimento da população, esse problema da solidão dos idosos vem se agravando e é preciso que as pessoas cada vez mais reflitam sobre essa etapa da vida que vai chegar para todos que não morrerem jovens", completou o ator Paulo Vieira.
Dependendo da faixa etária, o espetáculo gerou reflexões diferentes. Para a aluna Juliana Galdino, 17 anos, o abandono dos pais idosos é algo absurdo. "Eu jamais agiria como o filho da senhora da peça. Como pode uma pessoa morrer e ninguém se lembrar dela?", perguntou.
"É claro que existem muitos casos de abandono, mas ele é parte de um problema maior, que é a discriminação contra o idoso. As pessoas começam a achar que ele não é capaz de mais nada; ele próprio começa a se entregar e passa a depender dos outros para tudo. Para mim, está faltando é amor, não só pelos os idosos, mas pelas pessoas em geral", disse a dona de casa Marli Cardoso, mãe de uma aluna da reabilitação.
Para o aposentado Francisco Faria Neto, não precisa ser idoso para sentir os efeitos da discriminação e do isolamento. "Basta ficar deficiente. A gente que enxergava, trabalhava, tinha uma vida ativa, fica cego e se não tiver muito cuidado, acaba virando um objeto. Um objeto que se leva daqui para ali, e mais nada. Não pode. A gente não pode se entregar, tem que aprender a conviver com a deficiência para não entregar a vida a uma única pessoa. A gente conhece vários casos aqui no IBC de pessoas que ficam cegas e se recusam a aprender a ter uma vida independente do pai, da mãe", relata Francisco, que frequenta as atividades da Divisão de Reabilitação, Preparação para o Trabalho e Encaminhamento Profissional do IBC.
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