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Um mergulho no universo da surdocegueira

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Em Histórias de vida de indivíduos com surdocegueira adquirida, o público objeto do estudo é também emissor primário de suas próprias falas.

  • Publicado: Sexta, 16 de Abril de 2021, 17h30
  • Última atualização em Quarta, 09 de Junho de 2021, 14h52
Descrição: Foto tirada de cima de uma mulher jovem, loura e de cabelos compridos, sentada no chão, rodeada por exemplares do seu livro e olhando para cima, na direção da câmera.
A tese de doutorado da prof.ª Raffaela Lupetina, transformada em livro, oferece ao leitor um quadro organizado e bastante amplo do estado da arte das pesquisas realizadas no Brasil e no mundo sobre a surdocegueira.

 Marília Estevão *

 

Captura de Tela 2021 04 16 as 183238Como se desenvolvem os jovens e os adultos que ficam surdocegos em algum momento de suas vidas? Bem, o pesquisador que se debruçar sobre esse tema pode optar por recorrer a fontes secundárias, fazendo uma revisão bibliográfica sobre o assunto e, baseado nas teorias alheias, chegar à sua própria conclusão. Muitos param por aí. Outros vão além, consultando também fontes primárias — no caso, especialistas das mais variadas áreas que estudam a surdocegueira. Porém, poucos são os que conseguem superar a barreira da comunicação e incluir entre essas fontes primárias aqueles que mais têm a colaborar nessa investigação: os próprios surdocegos.

Pesquisadores capazes de acessar pessoas que têm deficiências sensoriais severas, como é o caso de muitos surdocegos, e obter delas respostas objetivas, confiáveis e semanticamente relevantes, são raros no mundo todo e por aqui não seria diferente. Entre esses poucos pesquisadores está a professora Raffaela Lupetina, que leciona para as turmas do primeiro segmento do ensino fundamental do Instituto Benjamim Constant onde ingressou por concurso público em 2013. 

Na verdade, o ingresso na Instituição reacendeu um interesse que a então aluna da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro já manifestava, mas que poderia ter se perdido em meio a tantas opções de estudo se ela não tivesse passado no concurso para uma instituição que desde 1993 já possuía um serviço de atendimento às pessoas surdocegas.

O serviço ainda se chamava Programa de Atendimento Apoio ao Surdocego (hoje se chama Núcleo de Atendimento Educacional à Pessoa com Surdocegueira) quando Raffaela fez o curso “Aspectos Educacionais da Surdocegueira”, em 2014, ao mesmo tempo em que estudava a Língua Brasileira de Sinais no Instituto Nacional de Educação de Surdos. O envolvimento pelo tema a fez participar da criação de um grupo de pesquisa nesta área no IBC — criação essa motivada pela necessidade dos próprios professores da casa de se munirem de embasamento teórico para melhor atenderem os alunos surdocegos.

Cada vez mais focada nessa temática, a professora entrou para o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Surdez (GEPeSS) pelos desdobramentos que oferece para a surdocegueira; participou de uma formação de guia-intérprete para atuar com surdocegos adquiridos, chegando a fazer uma semana de imersão na casa de um casal surdocego, para compreender mais sobre as dificuldades e os obstáculos enfrentados diariamente por essas pessoas. 

Em 2016, ao entrar para o doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pretendia estudar as possibilidades educativas que poderiam ser desenvolvidas com os surdocegos atendidos no IBC, mas decidiu ampliar o estudo incluindo a participação efetiva de outras pessoas com esta deficiência não atendidos pelo Instituto.

O resultado do trabalho dos quatro anos do doutorado concretizou-se nessas bem contadas Histórias de vida de indivíduos com surdocegueira adquirida, livro lançado em dezembro do ano passado pela Appris editora e que, ao ler, quase nos esquecemos de que se trata de uma tese, tal a fluidez, clareza e simplicidade do texto, sem o menor prejuízo ao seu caráter acadêmico. Ou seja: uma leitura agradável e extremamente informativa para quem se interessa pelo tema.

Mais do que parte do título da obra, “histórias de vida” é também uma metodologia de pesquisa que tem como característica identificar e expor elementos de um grupo social a partir de depoimentos individuais de pessoas que fazem parte dele. É exatamente isso que é feito nas 46 páginas do capítulo IV, que dá nome ao livro. Nelas, cinco mulheres e dois homens do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, com diferentes idades e graus de surdocegueira, falam sobre suas trajetórias de vida, os processos educacionais pelo quais passaram, seus laços e relações afetivas, além das experiências no mundo do trabalho. Eles foram entrevistados presencialmente pela pesquisadora, que para colher seus depoimentos utilizou várias formas de comunicação, detalhadamente descritas.

Mas, apesar de ser esta a cereja do bolo, o livro tem outros méritos igualmente relevantes. Além da rica bibliografia do trabalho, a autora organizou os resultados do levantamento que fez das produções relativas a essa temática em dissertações, teses e periódicos publicados no Brasil, assim como um quadro com todos os conteúdos em língua inglesa sobre surdocegueira, prestando um relevante serviço a todos que pretendem, como ela, enveredar por este estudo.

“O fato de o IBC ser uma instituição especializada na área da deficiência visual, da deficiência visual associada a outras deficiências e na área da surdocegueira foi fundamental para eu me dar conta da importância em desenvolver pesquisa nessa área. Senti, no dia a dia do meu trabalho como professora, o quanto era necessário estudar este assunto para melhor entender e atender o nosso público, contribuindo assim para o campo da educação especial e, por conseguinte, para a promoção da acessibilidade, inclusão social e cidadania das pessoas surdocegas”, explicou Raffaela, que neste momento se dedica ao projeto de pesquisa do pós-doutorado, sobre narrativas de professoras cegas do IBC e que — boa notícia — também vai virar livro em breve. 

 

Saiba mais sobre o Núcleo de Atendimento Educacional à Pessoa com Surdocegueira (NAEPS)

 

* Marília Estevão é jornalista profissional e coordenadora de Comunicação e Marketing Institucional do IBC.

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