Jonir Bechara Cerqueira
Nascido em 18 de agosto de 1939, na cidade de Campos, estado do Rio de Janeiro, Jonir tinha 10 anos e cursava a quarta série primária quando ficou cego por causa de um acidente que, ferindo gravemente um olho, provocou uma infecção que em pouco tempo atingiu o outro.
Retomou os estudos em 1953, já com 14 anos, quando ingressou no Instituto Benjamin Constant. Ao terminar o ginásio, em 1957, foi admitido no tradicional colégio carioca Mallet Soares, graças a uma das mais importantes parcerias firmadas pelo IBC, que deu o passo inicial para a inclusão de alunos cegos em classes de videntes, nas escolas comuns. Em 1960, presta concurso público, é aprovado e passa a pertencer ao quadro de docentes desse Instituto, como professor de matemática. No ano seguinte, passa no vestibular para o curso de pedagogia da Universidade do Estado da Guanabara (UEG, hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ) e, concomitantemente faz o o Curso de Especialização de Professores na Didática de Cegos, promovido pelo próprio IBC.
Atua como professor primário de 1961 a 1968, quando assume a cadeira de matemática no antigo curso ginasial, regendo esta cadeira até 1990. De 1982 a 1991, ministra a disciplina Ensino do Sistema Braille no Curso de Especialização de Professores na Área da Deficiência da Visão, prestando o relevante serviço de capacitar professores de todo o Brasil para o ensino de pessoas cegas.
De 1970 a 1979 foi chefe da Revista Brasileira para Cegos. De 1979 até 1985 foi chefe da Seção de Ensino, acumulando a chefia, nos anos de 1982 e 1983, com a coordenação do Curso de Especialização de Professores na Área da Deficiência da Visão. Em 1988, foi designado para dirigir o Departamento Técnico-Educativo, onde trabalhou até 1991.
Ineditismo na Direção-Geral
Em 1992, depois de uma mobilização das associações dos professores e dos técnicos administrativos que resultou na exoneração da então diretora-geral, Ana de Lourdes Barbosa de Castro, ainda na metade do seu mandato, o professor Jonir Bechara foi designado pelo MEC para completar os dois anos de gestão dela que ainda faltavam. Com isso, ele entrou para a história do Instituto Benjamin Constant tomando posse, no dia 24 de novembro como o primeiro aluno e o segundo cego a ocupar a Direção-Geral da instituição.
A modernização da Imprensa Braille foi um dos destaques da curta gestão do professor Jonir, que conseguiu recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para a importação das primeiras impressoras computadorizadas diretamente da fábrica alemã Thiel — uma delas de grande porte (BAX–10) e as outras duas de médio porte (Beta–x–3). A inauguração contou com a participação do ministro da Educação e Desporto do governo Itamar Franco, Murilo de Avellar Hingel.
Em 1993, os estudos iniciados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), com assessoramento técnico do IBC, para confecção de uma matriz de aço para produção de regletes são concluídos. Em janeiro do ano seguinte é lançada a reglete IBC, com 29 linhas, 33 celas por linha. Para equipar o Instituto com o restante de material básico destinado a cegos, são fabricadas também matrizes para produção de punções e sorobãs — material que teve bastante aceitação e que foi incorporado à rotina da instituição.
Também na gestão do professor Jonir foi lançado o Programa Piloto de Atendimento ao Deficiente Auditivo-Visual voltado às pessoas surdocegas. O Programa, sob a responsabilidade da professora Margarida Aguiar Monteiro, funcionava em uma casa progressivamente adaptada para oferecer melhores condições de atendimento. O objetivo era possibilitar o desenvolvimento máximo do potencial do surdecego, com atividades apropriadas para cada pessoa, de forma individualizada. Depois da fase piloto, o programa foi rebatizado de Programa de Atendimento e Apoio ao Surdocego (PAAS) até a criação do Núcleo de Atendimento Educacional à Pessoa com Surdocegueira (NAEPS), em 2018.
Em agosto de 1993, depois de três anos suspenso, é reativado o Curso de Especialização de Professores na Área de Deficiência Visual, em nível médio e alcance nacional, com 600 h/aula de carga horária. Nesse mesmo ano, um grupo de professores e técnicos frequenta o Curso de Especialização em Magistério para Alunos Portadores de Múltiplas Deficiências, organizado pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O curso foi fruto de um entendimento entre as duas instituições para capacitar seus servidores a atender um público com o qual não estavam acostumados a lidar em sala de aula.
Também em 1993, é criado pela Portaria Nº 56 o Posto de Distribuição de Material Especializado, popularmente conhecido como "lojinha". A iniciativa tem alcance nacional, distribuindo material especializado, acquirido pela Caixa Escolar do IBC, para uso de pessoas cegas e com baixa visão. O serviço foi interrompido em 2017 por determinação do Ministério Público que, apesar da absoluta lisura de sua prestação de contas, foi considerado irregular no âmbito do Serviço Público Federal. No mesmo ano, o IBC realiza o seu quinto concurso público para provimento de vagos nos cargos de professor e de técnico administrativo.
Em 1994, o fato mais relevante foi a aprovação, pelo MEC, do novo regimento interno do IBC que, entre outras normas, cria o Conselho Diretor e estabelece que dali para a frente os diretores-gerais do IBC continuariam a ser nomeados pelo ministro da Educação, porém após eleição direta realizada pela comunidade acadêmica, entre servidores em exercício na instituição há pelo menos cinco anos. Com isto acabaria a designação de pessoas absolutamente alheias à área da educação e à cultura organizacional do IBC. O novo regimento também criou a Divisão de Atendimento em Reabilitação para o Trabalho e permitiu a criação de uma série de coordenações no Departamento de Atendimento Médico, Nutricional e de Reabilitação,
Em biênio tão profícuo, a festa dos 140 anos de fundação do IBC foi igualmente especial. Depois de vários anos fechados, o Museu do IBC foi reaberto ao público com exibição de fotografias e objetos representativos de várias etapas do desenvolvimento da instituição. Entre os convidados, além de autoridades do Rio de Janeiro e do MEC, a festa contou com a participação do trineto do terceiro diretor do IBC, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, de professores que também fizeram a história do IBC, alguns bastante idosos, como o professor José Espínola Veiga.
A gestão que começou com a informatização da Imprensa Braille, terminou com a realização do primeiro curso regular para uso de computadores por deficientes visuais, através do Sistema Operacional DOSVOX. O curso foi dado em uma sala adaptada, com dois computadores 389, sob a orientação do instrutor Luiz Cândido Pereira Castro e um grande passo para a inclusão digital não só dos alunos como dos próprios servidores cegos do IBC.
Um servidor incansável
Ao final da gestão, Jonir candidatou-se a um novo mandato de diretor-geral, perdendo a eleição para o professor de educação física, Carmelino Souza Vieira, muito popular entre os alunos. Contudo, continuou a atuar no IBC com o protagonismo de sempre: foi coordenador do novo Laboratório de Informática (1996–1998), integrante da Comissão Editorial da revista Benjamin Constant (1995 -2000); membro da Comissão Brasileira do Braille desde sua implantação, em 26 de fevereiro de 1999 (foto abaixo), além de coordenador dos Cursos de Formação de Transcritores e Adaptadores, em parceria com a UBC e ABEDEV, nos anos de 2000 e 2002.
Há que se ressaltar também sua a robusta produção técnica — todas na área da educação especializada de pessoas com deficiência visual. Ao longo de sua carreira no IBC, publicou vários livros, como: Livros Didáticos para o Ensino de 1º Grau, edições de 1973 - 1975 e 1988 -1989 (em co-autoria com o professor Renato M. da Gama Malcher e outros); Técnicas de Cálculo no Sorobã (co-autor Olemar Silva da Costa, edição em braille, 1978); Braille Essencial (co-autor José Bezerra, 1989 e atualizada em 2003), Abrevie corretamente (edição em braille - 1989), Vocabulário de Termos empregados no uso do Sistema Braille (2002), dentre outros trabalhos.
Aposentado desde 1997, continua a colaborar para preservar a memória do IBC. Pesquisador de sua história e dos vultos mais proeminentes que a compõem, sua contribuição sempre foi valiosa. Foi um dos criadores do Projeto Memória IBC, que gerou este site institucional. Assim como os professores Antônio Carlos Rodrigues Torres Hildebrandt, Hersen Rodrigues Torres Hildebrandt, Maria Salete Semitela Alvarenga e Vitor Alberto da Silva Marques, Jonir se dedicou ao resgate da memória oral da Instituição, registrando, em áudio, as narrativas de seus alunos e servidores. Todo o conhecimento adquirido sobre o IBC foi fundamental para que, ao lado de outra figura igualmente memorável do IBC, o professor Edison Ribeiro Lemos, o projeto do Livro do Sesquicentenário fosse concluído de forma impecável.
Dono de uma personalidade forte tem no trabalho e na seriedade veios inesgotáveis que realimentam seu conhecimento e competência incontestes. Estudioso, determinado, objetivo, direto, jamais transige quanto à qualidade daquilo que realiza. Eis o profissional Jonir Bechara Cerqueira, sua trajetória e exemplo. A revista Benjamin Constant escolheu-o para “Perfil” dessa edição, a fim de que seu nome fique associado a outros de igual importância no ano em que comemoramos o sesquicentenário de fundação do pioneiro Imperial Instituto dos Meninos Cegos.
Referências:
ALMEIDA, Maria da Glória Souza de. Jonir Bechara Cerqueira:seriedade e competência. Revista Benjamin Constant, ano 25, nº28, ago. 2004. Disponível em < http://www.ibc.gov.br/images/conteudo/revistas/benjamin_constant/2004/edicao-28-agosto/Nossos_Meios_RBC_RevAgo2004_Perfil.pdf >. Acesso em: 5/9/2020.
GUERREIRO, Patrícia (Coord). Instituto Benjamin Constant: 150 anos. Rio de Janeiro: Fundação Cultural Monitor Mercantil, 2007.
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