Suplemento Comemorativo dos 160 anos do Instituto Benjamin Constant Um sonho, diversas trajetórias Revista Brasileira para Cegos Ano LXXII, n.o 534, Julho/Setembro de 2014 Ministério da Educação Instituto Benjamin Constant Editado na Divisão de Pesquisa, Documentação e Informação Impresso na Divisão de Imprensa Braille Av. Pasteur, 350/368 -- Urca Rio de Janeiro-RJ CEP: 22290-240 Tel.: (55) (21) 3478-4458 E-mail: ~,rbc@ibc.gov.br~, Site: ~,http:ÿÿwww.ibc.~ gov.br~,

Diretora-Geral do IBC Maria Odete Santos Duarte Comissão Editorial Ana Paula Pacheco da Silva Daniele de Souza Pereira João Batista Alvarenga Leonardo Raja Gabaglia Maria Cecília Guimarães Coelho Vitor Alberto da Silva Marques Colaboração Eduarda Bayma Milfont Paulo Felicíssimo Ferreira Transcrição conforme as Normas Técnicas para a Produção de Textos em Braille, MEC/SEESP, 2006.

¨ I Distribuição gratuita consoante a Portaria Ministerial n.o 504, 17 de Setembro de 1949. Arquivo da revista disponível para impressão em Braille: ~,http:ÿÿwww.ibc.gov.brÿ~ ?itemid=381~,

¨ III Apresentação Ao longo deste período, muitas têm sido as realizações do Instituto Benjamin Constant, destacando-se a produção e distribuição gratuita de obras em Braille para todo o país, o que tem possibilitado a disseminação da cultura, da informação e do entretenimento às pessoas com deficiência visual. Para tanto, nasceram RBC e Pontinhos: aquela em 1942, esta em 1959. Neste suplemento especial, a coordenação das revistas oferece aos leitores um pouco da vida de quantos, em diferentes épocas, foram seus responsáveis e colaboradores.

¨ V Sumário José Espínola Veiga :::::::::::::::: 1 Joaquim José de Lima ::::::::::::::::: 15 Renato Monard da Gama Malcher :::::::: 24 Walter Boschiglia ::::: 44 Silvino Coelho de Souza Neto :::::::::: 51 Jonir Bechara Cerqueira :::::::::::: 54 João Delduck Pinto Filho :::::::::::::::: 62 Kate de Queiroz Costa :::::::::::::::: 69 Paulo Felicíssimo Ferreira ::::::::::::: 77

José Espínola Veiga Homenagem a José Espínola Veiga Escrito por João Delduck Pinto Filho Retirado da *Revista Benjamin Constant* -- edição n.o 11 -- março de 1999. Em virtude do falecimento de um dos maiores valores revelados pelo Instituto Benjamin Constant, a direção-geral do IBC sente-se no dever de antecipar estes dados relacionados com o destacado professor José Espínola Veiga. Veiga ingressou no IBC em 1914 e exerceu o magistério até 1959. Destacou-se como aluno e, muito cedo, confirmou a perspectiva que dele se tinha como real promessa, tornando-se professor estudioso e positivo divulgador das emergentes normas que a Casa experimentava. Sentindo a quase indigência social do cego à época, engajou-se na luta de conquistas por melhor posicionamento socioeconômico, junto com outros denodados companheiros, e o resultado foi altamente positivo: o cego pôde ser contribuinte da Previdência, pôde ser funcionário público, ingressou no processo eleitoral da Pátria -- votando e sendo votado. Colaborou desde a arquitetura do IBC (concepção leiga mas racional) e, assim, foram construídos refeitórios condignos, amplo auditório, pavilhões para o Jardim de infância e a Imprensa. No campo didático, Veiga foi um inovador: implantou o linguafone, inaugurou a prática do livro falado em primitivas fitas magnéticas, experimentou o desempenho do cego em classes públicas primárias com resultado apenas relativo, incentivou o treinamento de professores e inspetores para estabelecimentos especializados para cegos. Capítulo especial é a luta que Veiga e seus companheiros empreenderam a fim de que o cego pudesse frequentar os estabelecimentos de ensino, prosseguindo nos estudos e em cursos que se adaptassem a sua deficiência. Tudo com o emprego da datilografia comum, tendo em vista a igualdade aproximada com os demais companheiros videntes. Veiga sabia que desde há muito o IBC gozava, por lei, de uma equiparação com o Colégio Pedro II, mas a teimosa interpretação da Lei insistia em discriminar o estudante cego. Enfim, o Instituto Benjamin Constant anterior à geração de Veiga, vivia uma progressão diferenciada daquela que Veiga e seus companheiros alicerçaram para as recentes conquistas. Ao Veiga e aos demais Dom Quixotes do século XX os cegos brasileiros devem uma realidade menos amarga. O IBC vira uma página de sua história Escrito por João Delduck Pinto Filho Retirado da *Revista Benjamin Constant* -- edição n.o 11 -- março de 1999 (ortografia atualizada). José Espínola Veiga: 21-12-1906/5-02-1998 -- O IBC assinala em sua história, já neste século e a partir dos anos quarenta, uma distinta fase que chamaríamos de contemporânea. Nela avulta um nome que se destaca por suas ideias e manifestações laborais, por seu valor enfim, diz-se de José Espínola Veiga, professor de inglês de nosso educandário e que há pouco partiu para a eternidade. Conheci-o, feliz coincidência, no mesmo dia em que vi pela única vez Helen Adams Keller. Veiga servia de intérprete ouvindo a preceptora Mrs. Thompson que, por sua vez, interpretava a difícil linguagem de Helen. Veiga acompanhou as visitantes pelo Brasil e países da América do Sul, pois falava espanhol. Meus colegas informaram-me acerca do mestre e se mais soube é porque sondei detalhes de sua vida, origem e progressão social, principalmente em seu primeiro livro “A vida de quem não vê”, lançado pela Editora José Olympio. Sei hoje que o nosso biografado é carioca, descendente de portugueses açorianos, sei das causas de sua cegueira aos três anos de idade, da sua infância no subúrbio de Engenho de Dentro e que se motivou para os estudos em razão de um professor cego, Mamede Freire, ter instalado próximo de sua casa uma escola para alunos não deficientes. Na progressão social de Veiga destaca-se seu instinto aventureiro: foi um dos primeiros a montar um estúdio de propaganda de bairro em alto- -falante; montou um curso de preparação para técnicos na Escola Silva Freire; possuiu rede de açougues; credenciou-se como despachante nacional junto às repartições federais; foi pioneiro em introduzir carros frigoríficos nas feiras; agenciou comercialmente produtos estrangeiros; inaugurou as primeiras grandes lojas de importados eletrônicos no Rio e em São Paulo; destacou-se como grande produtor de ovos e frangos, entre outras arrojadas e transitórias iniciativas. Jamais pretendeu firmar-se como chefe de setores do IBC, porém suas luminosas ideias sempre encontraram guarida entre os diretores, resultando na concretização de obras de imenso significado. É o caso da construção e aparelhamento mecânico de nossa Imprensa Braille, responsável pelo fornecimento de livros e revistas no Sistema Braille para todo o Brasil e, ainda, para países de língua portuguesa. Finalmente, a fundação da Revista Brasileira para Cegos, a RBC, em 1942, produzida pelo Instituto Benjamin Constant e, hoje de alcance mundial, possuindo mais de três mil assinantes, obra em que seu idealizador soube explorar a sede de propaganda da ditadura Vargas, que prontamente acolheu a benfazeja ideia que vingou. Franco mas realista, corajoso mas sentimental, é de se frisar um detalhe na vida do saudoso mestre: as tragédias domésticas que sempre o abateram. Seu filho mais velho, Gilberto, foi vítima de pertinaz moléstia que o levou com pouco mais de quarenta e dois anos de idade; seu jovem dileto amigo e guarda-livros, Giovani Allevato, suicidara-se em seu próprio escritório, envergonhado após um assalto de que fora vítima, perdendo vultosa quantia da firma; já sexagenário, fora Veiga vítima de terrível desastre, perdendo muito de sua audição; finalmente, a inesperada morte de uma filha minou, ainda mais, a sua quase octogenária existência. A vida de Veiga findou, mas ficará para sempre o espírito de luta, principalmente aquele que norteou este verdadeiro paladino nas afirmações sociais do cego como a oficialização do ensino em todos os níveis. Dorme em paz, Veiga, porque a gratidão do cego brasileiro velará por ti, e o Instituto Benjamin Constant prosseguirá na sua missão, escudado em teu exemplo. ::::::::::::::::::::::::

Vida e Obra do professor José Espínola Veiga Escrito por Eva Serra e Marcelo de Moura Estevão Retirado da *Revista Benjamin Constant* -- edição n.o 11 -- março de 1999. José Espínola Veiga nasceu na Zona Norte no Rio de Janeiro no dia 21/12/1906. Aos 5 anos, foi para o Colégio do Professor Mamede Freire, que era cego e dirigia um colégio de videntes. Lá ele começou logo a ler pelo sistema Braille e a conhecer a capacidade do cego. Aos 8 anos, foi matriculado no Instituto Benjamin Constant já sabendo ler e fazer as quatro operações. Na época, era o aluno mais novo do Instituto. Terminou o curso e procurou se aperfeiçoar em línguas: francês e inglês. 1927: Ingressou no magistério, lecionando as duas línguas, porém, por conveniência do Instituto Benjamin Constant, ele ficou como professor de inglês. 1928: Fundou, no Méier, um colégio de preparo para alunos com visão fazerem prova de ingresso no Serviço Público e outros empregos em geral (Liceu Popular). 1936: Orientou a fundação do Instituto de Cegos da Bahia e, mais tarde, Instituto de Cegos de Novo Horizonte (São Paulo). 1938: Montou um Centro de Aprendizado de Línguas, instalando aparelhagem com discos gravados por ledores na língua de origem, fazendo vir do exterior textos para o aluno acompanhar a leitura. 1942: Conseguiu os primeiros empregos para cegos no Serviço Público e demonstrou que o cego podia fazer Curso Superior. Nesse mesmo ano encaminhou as primeiras crianças cegas à escola comum (Escola Minas Gerais). Criou nesse período a primeira revista em Braille no Brasil: a Revista Brasileira para Cegos que vem atravessando gerações. 1944: Criou modificações na mesa telefônica do IBC, "Telefone Musical", para provar que o cego podia ser telefonista. Mais tarde por essa iniciativa, outros melhoramentos foram surgindo. 1945: Teve um colégio para alunos videntes, que ele denominou de Curso Mauá, em Cascadura (Subúrbio do Rio). 1951: Organizou no IBC o primeiro Curso de Aperfeiçoamento de Professores para Cegos. Demonstrou que o cego podia votar. Membro da Academia Petropolitana de Educação; autor de dois livros publicados pela José Olympio Editora "A vida de quem não vê" e "O que é ser cego". Tradutor de duas obras de Helen Keller, "História de Minha Vida" e "Minha Vida de Mulher". Escreveu muito sobre educação de cegos em vários jornais do Rio de Janeiro. Faleceu em 05/02/1998 de insuficiência respiratória na Beneficência Portuguesa, no Rio de Janeiro. Nota da Comissão Editorial Em 18/09/2006, como parte das comemorações dos 152 anos do IBC, criou-se a Coordenação do Livro Falado, cujo estúdio, financiado pela "Organización Nacional de Ciegos Españoles-ONCE", recebeu o nome de José Espínola Veiga, por ter sido ele o iniciador desta modalidade de leitura em nosso país, ao providenciar, em 1955, a gravação do título "A vida de Helen Keller". A responsável pela concretização do projeto, Regina Celia Gouvêa Lázaro, à época Chefe da Divisão de Pesquisa, Documentação e Informação-DDI, justificou o preito em seu discurso: "... O nome do estúdio é uma homenagem a José Espínola Veiga, que (...) inspirou, ajudou e promoveu muitos dos serviços pró-cegos do Brasil (...)". õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

Joaquim José de Lima Reconhecimento -- Professor Lima Escrito por Paulo Felicíssimo Ferreira Joaquim José de Lima nasceu na década de 1910, no município de Tarumirim, Minas Gerais, vindo a falecer na década de 1990, em Belo Horizonte. Foi aluno do Instituto Benjamin Constant e, após terminar seus estudos, exerceu atividades como vendedor em instituição de apoio aos cegos. Voltou ao IBC em 1939, agora admitido como diarista na Seção Braille, onde desempenhou a função de revisor. Aprovado em concurso promovido pelo Departamento de Administração do Serviço Público Federal (DASP), passou a integrar o quadro de revisores da Imprensa Braille, na década de 1940, chegando a ser um dos responsáveis pelo Setor Gráfico da Imprensa àquela época. No mesmo período, trouxe para o Instituto alguns menores cegos residentes em sua região de nascimento, os quais vieram a tornar-se cidadãos integrados na sociedade brasileira. Sempre dedicado à leitura de livros e revistas, em Braille e no sistema comum, Joaquim José de Lima adquiriu considerável cultura geral. Assim, já na década de 1950, tornava-se integrante do quadro de professores do Curso Ginasial do IBC, como titular da cadeira de História do Brasil, aposentando-se na década de 1980. O Professor Lima, como era conhecido no Instituto, lecionou também conteúdos de Tiflologia no Curso de Especialização de Professores na Didática de Cegos, promovido pelo IBC a partir do ano de 1952. Nesta condição, elaborou uma apostila sobre a História da Evolução Social dos Cegos e o Histórico do Instituto Benjamin Constant, material que viria a servir de base à produção de publicações similares. De 1955 a 1957, exerceu a função de Chefe da Seção de Publicações para Cegos, tornando-se, então, responsável pela edição da Revista Brasileira para Cegos. No dia 11 de setembro de 1956, como parte das comemorações pela "Semana Social do Cego", pronunciou uma oração à beira do túmulo de José Álvares de Azevedo, que ocupou as oito primeiras páginas da RBC n.o 62, outubro de 1956, das quais transcrevemos alguns trechos a seguir: "José Álvares de Azevedo, nesta ‘Semana Social do Cego‘, instituída, em momento de feliz inspiração, pelo Conselho Nacional para o Bem-Estar dos Cegos no Brasil, e realizada anualmente de 10 a 17 de setembro por seu Comitê Executivo, nós, os invidentes desta grande Pátria, nos congregamos para, unidos, não somente apresentarmos aos Poderes Públicos e à Sociedade as nossas modestas reivindicações, mas também, e sobretudo, depositarmos, numa humilde homenagem, nas frontes de nossos ídolos gloriosos, a coroa de flores de nossa saudade, de nossa imorredoura gratidão. E aqui estamos, ó redentor imortal, (...) -- corações na mão e alma no infinito -- diante de teu modesto túmulo, sagrado repositório de tuas cinzas veneráveis, recordando a tua glória, soluçando a tua partida tão prematura da vida que tanto amavas! Passaste, como a flor, rapidamente, porém semeando benefícios, perfumando a natureza, embelezando a existência. Vindo à luz envolto em densas trevas que jamais se aclarariam, para tua glória e nosso bem -- triste ironia, banal filosofia --, aos nove anos, em 1844, 01 de agosto, conduzido pela mão benfeitora de um amigo iluminado, o Dr. Maximiliano Antônio de Lemos, deixarias, os olhos rasos d'água e o peito em soluços, mas corajosamente, as amorosas praias guanabarinas rumo a Paris, para a luz. Viste e viveste uma realidade quase fantasia; bebeste, sequioso, mesmo dentro de tua espessa noite sem aurora, a luz intensa dos conhecimentos, jorrada dos lábios dos teus mestres e irmãos em trevas. Presenciaste, condoído -- e quão penoso te foi certamente --, o crepúsculo doloroso da (...) jornada pelo mundo, que lhe foi tão pouco generoso, do suave, do bom, do santo, do genial Louis Braille, o maior cego de todos os tempos, a quem temos, em nossos momentos de alegria ou pesar, sempre no pensamento, e com quem tiveste a extrema ventura de privar e quiçá receber pessoalmente as lições mansas e sábias, definitivamente encerradas com sua morte, ocorrida a 06 de janeiro de 1852. Ainda jovem, quase menino, não repousarias nunca. Árdua e continuada luta empreenderias pela imprensa, junto aos parlamentares, aos ministros de Estado e até no Paço, onde penetraste guiado pela benfazeja e segura mão do Barão do Rio Bonito. Entravas naquele dia bendito no Paço imperial e na imortalidade. Com a tua cultura, teu patriotismo e profundo sentimento de humanidade, tocaste fundo o íntimo sensível e o coração boníssimo do magnânimo Pedro II que, espírito clarividente, sentiu-te o salvador dos invidentes de seu belo e grandioso Brasil. Criarias em breve, concretizando teu ideal de redentor, com José Francisco Xavier Sigaud, de cuja filha cega, Adélia Maria Luiza, foste o primeiro professor, e o eminente e dinâmico Ministro do Império, o Conselheiro Luiz Pedreira do Couto Ferraz, Barão do Bom Retiro, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, no Rio de Janeiro, que um dia, 24 de janeiro de 1891, atendendo às contingências e aos azares da política mutável, chamar-se-ia Instituto Benjamin Constant, em homenagem ao mais alto vulto republicano do País pelo muito que ele fizera como professor e como diretor em favor do estabelecimento de ensino fundado graças à magnanimidade do sábio Imperador. Entretanto -- ó fado cruel! --, não pudeste contemplar, em o novo horizonte radioso, a esperançosa aurora que, naquela manhã linda de sol, apontava aos não videntes brasileiros a estrada ampla da instrução, ao descerrar a negra cortina da medonha ignorância, com a solene inauguração, a 17 de setembro de 1854, do Educandário por ti longa e carinhosamente sonhado... A sorte adversa apressou-te com a morte os dias, apressando também o teu encontro com a glória. A 17 de março, seis meses antes do inolvidável acontecimento, partias (...), deixando nos corações dos cegos alfabetizados do Brasil, perpetuamente, a lembrança de teu nome (...), a memória de tuas realizações imperecíveis. Viverás eternamente, porquanto teus feitos não morrerão, e terás sempre (...) aos teus pés os filhos do Instituto Benjamin Constant, de que foste a alma e a razão de existir, assim como os filhos dessa imensa nação para, como agora, homenagear-te, balbuciando, numa suave prece, palavras de reconhecimento que pela boca nos saem, provindas do coração e permitindo que, na eloquência do silêncio, dos olhos, ardentes nos rolem pelo rosto, pro-

vindas da alma, as lágrimas da gratidão." Fonte de consulta: Dados fornecidos pelo professor Jonir Bechara Cerqueira. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Renato Monard da Gama Malcher "Adversidade e Vitória de um Homem Honrado -- 1916-1983" Escrito por Jonir Bechara Cerqueira Retirado da *Revista Benjamin Constant* -- edição n.o 35 -- dezembro de 2006. "A opinião do homem digno é como a árvore: está sempre no mesmo lugar. A dos indignos, porém, é como a sombra da árvore: muda sempre de posição." Consubstancia-se neste pensamento uma autêntica lição de princípios transmitidos aos alunos do Instituto Benjamin Constant durante três décadas pelo competente professor de Matemática, digno educador, Renato Monard da Gama Malcher. Nasceu no dia 11 de junho de 1916 na cidade de Belém -- PA, filho de Sylvia Monard e de José da Gama Malcher. Iniciou seus estudos em colégio de jesuítas, transferindo-se com a família aos doze anos para o Rio de Janeiro, onde viria formar-se em Química na Universidade do Brasil, hoje UFRJ. No pleno exercício de sua profissão, vitimado por uma explosão em laboratório, fica completamente cego em 1942. Casa-se com sua noiva Elza, discreta e dedicada esposa que o acompanharia até o fim de sua vida. O padre norte-americano Thomas Carrol (1909-1961), em sua consagrada obra "Cegueira, O que ela é, O que ela faz e Como viver com ela" (1961), destaca as significativas perdas decorrentes da cegueira adquirida. Permite-se aqui enfatizar: perda da mobilidade, perda das técnicas da vida diária, e, sobretudo, perda da carreira, do objetivo vocacional e da oportunidade de emprego. Gama Malcher, seguindo as linhas de seu novo destino, encontra o Instituto Benjamin Constant em 1950. A Instituição, embora não votada às questões da reabilitação, como hoje, ainda assim dá apoio àqueles que a procuram em busca de formas de adaptação à vida como pessoas cegas aos que padecem da cegueira adquirida em idade adulta. Aí aprende o Sistema Braille, treina-se na locomoção com bengala e assimila os recursos de que se valem os cegos para o desempenho de tarefas cotidianas na vida prática. Presta exame de suficiência na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil e se torna licenciado para o exercício de professor de Matemática do 1º Ciclo, registro D-18.662. É nomeado professor do Instituto em 1952 e se dedica ao ensino da Matemática no Curso de Admissão ao Ginásio, inicialmente. A partir de então, o homem de ciências se revelará um grande educador na maior escola especializada na educação de cegos do Brasil. Honestidade, competência, pontualidade, amor à verdade foram algumas das facetas positivas de sua personalidade a destacá-lo entre os alunos, colegas de magistério e junto à Administração do IBC. O professor Malcher é nomeado chefe da Seção de Educação e Ensino, então setor mais importante da escola. Em 1954, ano do centenário da Instituição, organiza com sua equipe de competentes funcionárias o livro de registro de todos os alunos matriculados durante o século de existência da escola, relacionados nominalmente, ano a ano. Nas aulas, revelava dominante preocupação com os alunos com dificuldades na matéria que lecionava. Ditava apontamentos. Quando necessário, valia-se de recursos que integravam as vivências dos educandos cegos e, não raro, antecipando o que na realidade educacional brasileira passaria a se chamar de "recuperação" ou "reforço", ministrava aulas em horários alternativos aos que delas necessitassem. Sem se afastar das atividades de magistério, o professor Malcher assume a chefia da Revista Brasileira para Cegos e cria em setembro de 1959 a revista infanto-juvenil Pontinhos, sob o lema que ainda hoje a norteia: "Educar Recreando, Instruir Divertindo, Convencer Esclarecendo". Os desígnios do destino guardavam para o nobre educador uma missão ainda mais ampla e dignificante: ser a primeira pessoa cega a assumir a Direção do Instituto Benjamin Constant. Renato Monard da Gama Malcher é nomeado diretor do IBC em 07 de janeiro de 1970. O Governo brasileiro confia a um professor cego os destinos de sua escola centenária. O professor, embora acometido anteriormente de um acidente vascular, não esmorece. Monta uma equipe administrativa calcada em valores da própria casa, predominantemente de professores cegos. Administra com zelo e competência. Mantém a serenidade nas horas difíceis. Trata a todos, alunos e servidores, com a mesma atenção e respeito. Suas ordens e medidas tomadas são sempre justificadas. São instituídas competições escolares de cunho pedagógico à época dos aniversários de fundação do Instituto. Em sua administração, em maio de 1971, foi obtido o financiamento para a construção da piscina semiolímpica do IBC. Determinações do Departamento de Educação Complementar do MEC conferindo atribuições ao Instituto, sem o necessário suporte de pessoal administrativo e técnico para as cumprir foram a causa do pedido de demissão do professor Renato Monard da Gama Malcher, cujo afastamento do cargo se deu em setembro de 1972. As reconhecidas virtudes do mestre não o faziam distante do comum das pessoas: torcedor do Fluminense comentava futebol especialmente às segundas-feiras. Contava piadas ingênuas e não se furtava a convites dos amigos para jantares. Dignamente, o professor Malcher continuaria exercendo sua nobre missão de ensinar, jamais interrompida. Continua a elaborar livros, tarefa iniciada em 1961 com a obra "Apontamentos de Matemática", a que se seguiram várias outras. Em princípios da década de 1980, embora combalido, ministra aulas de reforço, já que não admitia licenciar-se de sua função. O coração magnânimo do veterano mestre deixou de palpitar no dia 07 de junho de 1983. As palavras que se seguem são do filho, pai e esposo Renato Malcher, expressas na dedicatória de seu primeiro livro de Matemática, editado em Braille em 1961: "À memória de meus pais -- Sylvia Monard e José da Gama Malcher -- de cujo exemplo indelével me veio a consciente obrigação de me tornar um escravo do dever e da prática do bem; à minha filha, Eliane, estímulo de minha existência, a quem, pelo exemplo, procuro convencer de que o amor à verdade, o apego ao trabalho e a honestidade no proceder são os melhores alicerces sobre os quais se pode construir a felicidade humana; à minha esposa, Elza, a cuja abnegada dedicação atribuo quase tudo o que, de útil, tenho tido a ventura de realizar em benefício de outrem, dedico com respeito, carinho e enternecida gratidão este modesto trabalho. R. M. da Gama Malcher" :::::::::::::::::::::::: Um Nome Honrado -- Uma Saudade Imensa Escrito por Luzimar Alvino Sombra Fonte: Trechos do artigo publicado na *Revista Brasileira para Cegos* (ano XLII, n.os 372-373, junho-julho de 1983). Não falarei do estudante extraordinário, que foi, nem do químico competente, que se formou. Não falarei do acidente, que o fez ficar cego aos quase trinta anos de idade, nem das incompreensões de que foi vítima. Procurarei, tanto quanto a emoção me permitir, falar com serenidade sobre alguém que perdendo a visão, soube enfrentar as dificuldades da vida e atingir aquilo que muitos anseiam, sem lograr: o respeito dos que o conheceram e a admiração daqueles que lhe foram mais próximos. Relembro a figura de Renato Monard da Gama Malcher, lutando para reabilitar-se e, simultaneamente, dando aulas, gratuitamente, a alunos do Instituto Benjamin Constant. Recordo o professor dedicado que, depois de nomeado, sempre estava disposto a dar aulas extras, tanto para seus alunos quanto para alunos de outros professores. Nessa atitude, sublinhou a sua vontade de ajudar os estudantes e sublimou a sua intenção de ser sempre útil, independentemente de qualquer retribuição material. Relembro a figura de Renato Monard da Gama Malcher, dirigindo a Seção de Publicações para Cegos onde, através da Revista Brasileira para Cegos, procurou publicar matéria de real interesse para estudantes e para o público, em geral. Mas não se contentou com isto. Criou a Revista Pontinhos, dedicada ao público infanto-juvenil, a qual continua sendo publicada até a presente data. Com essa realização, demonstrou todo o seu interesse de educador, toda a sua preocupação com o lazer e a formação moral das crianças. Recordo o professor que, sentindo a dificuldade dos alunos de matemática, procurou e conseguiu adaptar livros para o antigo exame de admissão ao ginásio e para o que se chama hoje Segunda Fase do Ensino de Primeiro Grau. Mais uma vez, fica patente o seu interesse pelos alunos e manifesta a sua intenção de ajudá-los. Nessa tarefa, como nas outras, foi bem sucedido. Parece que o vejo, nos últimos anos, já doente e com as forças bem reduzidas, fazendo esforço enorme, para continuar trabalhando, para prosseguir na sua atividade docente. (...) O Professor Renato Monard da Gama Malcher, como educador na área de deficiência da visão, como amigo dos alunos, como colega de trabalho, como servidor preocupado com o futuro de sua Instituição e como pessoa, não foi uma esperança, mas uma realidade autêntica. Sua obra, ainda que superficialmente aludida, não é uma ilusão. Seu exemplo de mestre não requer tristeza, mas jus-

tifica a saudade imensa de que se fez credor. :::::::::::::::::::::::: Tal como se fez em 2012, publicando-se o primeiro número da RBC, comemorativo dos seus 70 anos, reproduzimos, aqui, respeitando a ortografia original, dois textos do primeiro número de Pontinhos, que completa 55 anos. Esta publicação já sinalizava uma preocupação com o público infanto-juvenil, até mesmo por seu lema: “Educar recreando -- Instruir divertindo -- Convencer esclarecendo”. O aparecimento de PONTINHOS Na esperança de educar recreando, instruir divertindo, convencer esclarecendo, eis aqui PONTINHOS. Procurará seguir trilha meditada e dentro de suas possibilidades. Será ótimo se executar o planejado; aceitável se apenas parte dele for concretizado. É propósito de PONTINHOS manter-se atualizado sem, todavia, desprezar o tradicional, quando consagrado pela patente utilidade. Para tanto, buscará sempre as melhores fontes, na certeza de que a verdade é uma só, às vezes arranhada superficialmente, mas, intacta em sua essência, confiada aos que são puros nos sentimentos e nas ações. PONTINHOS tem uma idéia fixa e um desejo ardente: despertar na juventude o gosto pela boa leitura, tornando-o progressivo, a fim de que ele se torne na mocidade um hábito salutar e na idade madura, uma necessidade. Se o conseguir, terá contribuído para a formação de pessoas instruídas, úteis a si e à família, fase indispensável a que se tornem, pela educação, pessoas de bem, úteis à pátria e às coletividades. Poderá, então, justificar o seu aparecimento. Que Deus assim o permita, iluminando e abençoando propósitos de todos os que concorrem para que PONTINHOS possa colher tão ambicionados frutos, cujo valor depende de serem eles sazonados pelo aplauso e adocicados pelo reconhecimento de seus leitores. Renato M. da Gama Malcher ----------- José Álvares de Azevedo, um apóstolo do bem. Ninguém pode contestar o fato evidente de que a fundação do Instituto Benjamin Constant, a 17 de setembro de 1854, significou o passo inicial e decisivo para a situação intelectual e social -- aliás a única compatível com a dignidade humana -- de que hoje desfrutam tantos cegos brasileiros. Para esse importante evento contribuiu decisivamente um adolescente cego, dono de virtudes raríssimas e excelsos predicados. Seu nome: José Álvares de Azevedo. Algumas de suas virtudes: descortino das possibilidades dos não-videntes, precocidade na firmeza do querer, clareza e exeqüibilidade de seus ideais. Alguns de seus predicados: inteligência privilegiada, amor aos estudos, generosidade de coração, a par do mais puro sentimento de fraternidade e solidariedade humanas. Educado e instruído no Instituto dos Jovens Cegos de Paris, para onde partiu aos 9 anos -- graças à persistente catequese movida pelo diplomata Maximiliano Antônio de Lemos junto à família, de início intransigente em permitir a separação -- e de onde regressou aos 15, José Álvares de Azevedo trazia uma idéia fixa: fundar no Brasil uma casa à semelhança da que o acolhera em França e que pudesse proporcionar aos cegos de sua pátria os mesmos incalculáveis benefícios por ele recebidos no magnífico educandário especializado da Cidade-Luz. A eficiência com que lecionou História a videntes no colégio do Barão de Tautphoeus, do Rio; a convincente disciplina que conseguiu impor a seus alunos mostraram, às claras, já naquela época, as possibilidades do cego nesse sublime setor da atividade humana que é o magistério. A patenteada eficácia com que ministrava através do Sistema Braille, ensinamentos complementares a Adélia Sigaud, então recentemente cega e, por isso, obrigada a interromper os estudos, não apenas enterneceu, mas a tal ponto impressionou o pai da jovem, o médico do Paço Xavier Sigaud, que este obteve do magnânimo imperador Pedro II, a fundação do que foi inicialmente o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje, Instituto Benjamin Constant. Seus frutos justificaram, de imediato, a frase do excelso Bragança: "A cegueira quase já não é uma desgraça". Desventuradamente, colhido pela morte antes dos 20 anos, não pôde Álvares de Azevedo assistir à inauguração da obra para cuja fundação tão poderosa e decisivamente contribuíra. Assistiram-na membros de sua família, de atuação destacada na vida pública do Império e da qual ele era o único cego. Mas seu trabalho e seu valor foram de tal monta que hoje, de toda a família, é ele, o cego, o único a ser lembrado. Tanto realizou José Álvares de Azevedo que seu nome está perpetuamente gravado nos corações reconhecidos de todos os cegos brasileiros como um apóstolo do bem. Renato Monard da Gama Malcher Nota da Comissão Editorial Apesar de haver tido sua publicação suspensa na década de 1960 por falta de recursos materiais, Pontinhos retornou dez anos mais tarde, na gestão dos professores Renato M. da Gama Malcher e Jonir Bechara Cerqueira, respectivamente diretor do IBC e

Chefe da Seção de Publicações para Cegos. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Walter Boschiglia Dedicação -- Seu Walter Escrito por Paulo Felicíssimo Ferreira Em 05/01/1919 nascia, no município de Niterói, Walter Boschiglia que, vitimado por sarampo aos nove anos, perderia a visão e viria a tornar-se aluno do Instituto Benjamin Constant a partir de 29/11/1928, onde, além de se dedicar aos estudos regulares com afinco, concluiu, também com esmero, os cursos musicais e profissionais então disponíveis. Terminados os estudos no IBC, viajou para o estado de São Paulo, desempenhando ali, entre 1937 e 1945, atividades laborais em associações de trabalhos para cegos, em diferentes municípios, como Santos e Marília. Retornando ao Rio de Janeiro na década de 1940, foi aprovado em concurso aberto pelo Departamento Administrativo do Serviço Público Federal-DASP para o cargo de Revisor Braille do IBC, sendo nomeado em 09/08/1947. Na Imprensa Braille, esforçou-se por alcançar bom desempenho em sua função, além de colaborar efetivamente com todas as tarefas necessárias ao bom funcionamento do setor. Exerceu, com zelo e proficiência, a função de chefe da Imprensa Braille do IBC, de 15 de fevereiro de 1954 a 27 de março de 1987, sendo, sempre, o primeiro a chegar e o último a sair, testemunho inequívoco de sua dedicação a um trabalho tão específico quanto abrangente. Em muitas ocasiões, sentindo que a seção não funcionava adequadamente, devido à falta de manutenção das máquinas, Walter Boschiglia propunha-se aprender consertá-las, porque sofria com isso. Estudioso e dedicado às questões do Braille, Walter Boschiglia dominava diferentes formas de sua aplicação -- Literatura, Música e Matemática, além dos códigos abreviativos de algumas línguas. Por isso, representou o Instituto em vários eventos nacionais e internacionais e é reconhecido, ainda hoje, como um dos maiores técnicos deste sistema em seu tempo. Assim, em 22 de novembro de 2007, após obras de melhoria e ampliação, o novo prédio, o mais antigo parque grá-

fico de sistemas Braille da América Latina foi reinaugurado, passando a chamar-se "Imprensa Braille Walter Boschiglia", numa grata homenagem a este homem de caráter irrepreensível, cuja vida operosa nos deixou em 03/12/2002, na cidade do Rio de Janeiro-RJ. Diga-se agora, a bem da verdade e da justiça, que não devemos esquecer-nos -- pois, se vivo, ele também teria lembrado --, de seu único substituto, tão dedicado quanto ele, o Sr. Luiz Coutinho Marques, que, por conta das disposições legais do Serviço Público Federal, nem sempre muito justas, poucas vezes há de ter recebido alguma retribuição pecuniária por substituições tão eventuais. Infelizmente, como decorrência da enfermidade que o acometeu após os 80 anos e, aos 91, tornaria difícil e bastante penosa a evocação de suas memórias profissionais, não nos foi possível ouvi-lo, para enriquecimento deste merecido preito. Desde 1999, funciona, nas dependências da Associação Macaense de Apoio aos Cegos-AMAC, a Escola Municipal Prof. Walter Boschiglia, que oferece, além de apoio aos alunos deficientes visuais matriculados na Rede Regular de Ensino, as seguintes modalidades educativas voltadas à integração social: Estimulação Precoce; Curso de Locomoção e Mobilidade; Atividades da Vida Diária; Educação Física; Informática, entre outros. Encerramos este preito de carinho, transcrevendo a seguir um trecho da revista Kardebraile n.o 108 --

dezembro de 2002, publicada pela Sociedade Pró-Livro Espírita em Braille-SPLEB: "Walter Boschiglia, uma pessoa católica, foi grande amigo da SPLEB. De fato, à época da criação da seara, quando ela não dispunha de maquinaria para imprimir obras doutrinárias em Braille, foi ele que, na condição de chefe de imprensa do Instituto Benjamin Constant, editou as nossas primeiras obras naquele sistema. Em razão disso, a SPLEB dirigiu ao Prefeito Sylvio Lopes Teixeira o ofício 262, de 22 de outubro de 2002, cumprimentando-o e agradecendo, em nome da famí-

lia splebiana, pela justiça do ato." Fontes de consulta: Dados fornecidos pelo professor Jonir Bechara Cerqueira; *Revista Benjamin Constant* -- edição especial -- outubro de 2009; *Revista Kardebraile* -- ano XLII -- dezembro de 2002 -- n.o 108; ~,http:ÿÿwww.amacrj.org.brÿ~ index.php?pagina=~ noticia&id=61~, ~,http:ÿÿintervox.nce.~ ufrj.brÿèwagnerÿautor.html~, õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

Silvino Coelho de Souza Neto Lembrança -- Professor Silvino Escrito por Paulo Felicíssimo Ferreira Silvino Coelho de Souza Neto nasceu no estado do Maranhão, em 20 de julho de 1924, falecendo no dia 11 de dezembro de 2009, na cidade do Rio de Janeiro. Por volta dos 20 anos de idade, lançou-se à procura de um processo reabilitatório e de oportunidades de trabalho, viajando, de início, para o Rio de Janeiro (capital do então Estado da Guanabara) e, posteriormente, para a cidade de São Paulo, onde se tornou vendedor em instituição de apoio aos cegos.

Matriculado no Instituto Benjamin Constant em meados da década de 1940, ali concluiu os cursos primário e ginasial, o primeiro deles no regime supletivo. Já o curso clássico (segundo grau de hoje), ele o fez no Colégio Ruy Barbosa, da rede particular de ensino. Qualificado pelo Curso de Massagem do IBC, foi admitido como professor desta matéria na Instituição em 11/06/1952, atuando, em décadas seguintes, como professor de Ciências no Curso Ginasial. Foi, também, docente da Rede Estadual de Ensino. Entre 1966 e 1969, chefiou a Seção de Publicações para Cegos, respondendo, então, pelas edições da Revista Brasileira para Cegos.

Sua tríplice formação acadêmica revela um homem vitorioso na luta contra as adversidades da cegueira em idade adulta e contra a corrida implacável do tempo, cujos efeitos logrou anular, graças aos esforços pessoais na busca da plena concretização de uma imensa intelectualidade latente. Por isso, num memorável preito de admiração a quem tanto contribuiu para o engrandecimento da história do IBC, transcrevemos a seguir a relação de seus cursos universitários: -- Licenciatura em Filosofia, pela UFRJ, em 19/12/1959; -- Bacharelado em Jornalismo, pela UFRJ, em 04/01/1965;

-- Mestrado em Direito Público, pela UFRJ, em 13/08/1979. Fontes de consulta: Dados fornecidos pelo professor Jonir Bechara Cerqueira; Divisão de Pessoal do IBC. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Jonir Bechara Cerqueira Jonir Bechara Cerqueira: Seriedade e Competência Escrito por Maria da Gloria de Souza Almeida Retirado da *Revista Benjamin Constant* -- edição n.o 28 -- agosto de 2004. Em diferentes épocas, dos mais diversos contextos da sociedade e da educação brasileiras, emergiram pessoas cujas ações profícuas dilataram

os horizontes desta Instituição ímpar em todo o país. Nosso homenageado integra o quadro daqueles que, por força do seu ideal e capacidade de realização, consolidaram a obra conquistada por José Álvares de Azevedo. Nascido em 18 de agosto de 1939, na cidade de Campos, estado do Rio de Janeiro, Jonir fica cego aos 10 anos de idade quando cursava a 4ª série primária. Em 1953, ingressa no Instituto Benjamin Constant; em 1958, inicia o Ensino Secundário no Colégio Mallet Soares; em 1960, presta concurso público e passa a pertencer ao quadro de docentes desse Instituto; em 1961, é aprovado no vestibular para o curso de Pedagogia da Universidade do Estado da Guanabara; concomitantemente, faz o Curso de Especialização de Professores na Didática de Cegos, curso esse promovido pelo próprio IBC. Atua como professor primário de 1961 a 1968, quando assume a cadeira de Matemática no antigo curso ginasial, regendo esta cadeira até 1990. De 1982 a 1991, ministra a disciplina Ensino do Sistema Braille no Curso de Especialização de Professores na Área da Deficiência da Visão. Durante sua carreira, toda ela dedicada ao Instituto Benjamin Constant, exerceu vários cargos: Chefe da Revista Brasileira para Cegos (1970-1979); Chefe da Seção de Ensino (1979-1985); Coordenador do Curso de Especialização de Professores na Área da Deficiência da Visão (1982-1983); Diretor do Departamento Técnico-Educativo (1988-1991); Diretor-Geral (1992-1994); Coordenador do Laboratório de Informática (1996-1998); integrante da Comissão Editorial da revista Benjamin Constant (1995-2000); membro da Comissão Brasileira do Braille desde sua implantação, em 26 de fevereiro de 1999; Coordenador dos Cursos para Formação de Transcritores e Adaptadores, em parceria com a UBC e ABEDEV, nos anos de 2000 e 2002. Publicou vários trabalhos: "Livros Didáticos para o Ensino de 1º Grau" (co-autor Renato M. da Gama Malcher et alii), 1973-1975 e 1988-1989; "Técnicas de Cálculo no Sorobã" (co-autor Olemar Silva da Costa), edição em Braille-1978; "Braille Essencial" (co-autor José Bezerra-1989), e atualizada em 2003; "Abrevie corretamente", edição em Braille-1989; "Vocabulário de Termos empregados no uso do Sistema Braille", 2002, entre outros. Aposentado desde 1997, continua a colaborar para que a memória de nossa Instituição não se esfacele na turbulência e atribulações do cotidiano sempre imediatista e avassalador. Pesquisador incansável de sua história e dos vultos mais proeminentes que a compõem, sua contribuição é valiosa e indispensável. Dono de uma personalidade forte tem no trabalho e na seriedade veios inesgotáveis que realimentam seu conhecimento e competência incontestes. Estudioso, determinado, objetivo, direto, jamais transige quanto à qualidade daquilo que realiza. Eis o profissional Jonir Bechara Cerqueira, sua trajetória e exemplo. Nota da Comissão Editorial A participação do professor Jonir na Comissão Brasileira do Braille encerrou-se em agosto de 2008. :::::::::::::::::::::::: Credibilidade -- Professor Jonir Escrito por Vitor Alberto da Silva Marques Matriculado no Instituto Benjamin Constant em 1953, Jonir Bechara Cerqueira concluiu o curso ginasial quatro anos mais tarde, ingressando no ensino médio do Colégio Mallet Soares em 1958, já que as pessoas cegas, até então, continuavam tendo a matrícula vedada nas

escolas públicas. Em 1961, além de obter aprovação no vestibular para o Curso de Pedagogia da Universidade do Estado da Guanabara, atual Rio de Janeiro, retornava ao IBC, agora como integrante de seu corpo docente, aprovado que fora em concurso público no ano anterior, e ali ensinou matemática por longo tempo. A vida profissional irrepreensível do Prof. Jonir Bechara Cerqueira foi decisiva para a história da instituição, onde escreveu uma trajetória de destaques nos vários cargos e funções que exerceu, graças aos quais pôde contribuir para seu desenvolvimento e sua consolidação na área técnico-pedagógica. Mesmo depois de se aposentar, em 1997, prosseguiu dedicando-se ao estudo da evolução do sistema Braille, com aplicação nos diferentes campos do conhecimento humano. Contudo, sua maior contribuição para este fim ocorreu de 1999 a 2008, enquanto membro efetivo da Comissão Brasileira do Braille, órgão técnico criado pelo MEC, período durante o qual muito se esforçou para estreitar o relacionamento com as comissões de Braille dos países latino-americanos, buscando, quanto possível, uma aproximação entre os códigos a serem aplicados a qualquer impressão em relevo, inclusive os das diferentes esferas técnico-científicas. Ministrou aulas como professor voluntário no curso de revisor de textos Braille em 2005, 2006 e 2008 pela DCRH. Ocupou, a convite da Direção-Geral do Instituto e da Diretoria da Associação dos Ex-alunos do IBC, a coordenação do "Projeto Memória IBC", na qual se notabilizou por sua contribuição valiosa, espontânea, na construção do acervo histórico desse projeto, propondo e colhendo depoimentos de personalidades de indiscutível legado de realizações em favor de nossa instituição educacional, pioneira na América Latina. Por todas estas realizações, Jonir permanece imprimindo sua marca de credibilidade nas páginas do nosso Instituto! õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo João Delduck Pinto Filho Superação -- Professor Delduck Escrito pela Comissão Editorial Filho de João Delduck de Bulhões Pinto e Marieta Alves Delduck Pinto, João Delduck Pinto Filho nasceu em 22 de novembro de 1925, na cidade de Marapanim-PA, onde, vitimado por glaucoma, perdeu a visão aos 23 anos, já tendo servido no Exército Brasileiro. Vindo para o Estado da Guanabara, atual Rio de Janeiro, ingressou no Instituto Benjamin Constant em 23 de março de 1953, buscando um novo sentido para sua vida. Assim, matriculou-se em todos os cursos profissionais oferecidos pelo IBC, pois ainda não existia um setor de reabilitação. Após aprender datilografia, matriculou-se, em 1955, no curso ginasial noturno do colégio Pedro II, tornando-se o primeiro aluno cego da instituição, a concluí-lo, mediante prestação dos exames então constantes do Art. 91, do Decreto-Lei n.o 4.244, de 1942, hoje correspondentes aos do curso supletivo, previstos no Art. 38, da Lei 9.394, de 1996. Foi aluno do Curso de Especialização de Professores na Didática de Cegos do IBC, em 1957, no qual veio a conhecer Iva de Alencar Senna, funcionária do Ministério da Educação, com quem se casou. Do matrimônio, nasceram três filhos: Marieta, Rômulo e José (Zeca). Fez o curso Secundário (Clássico) no colégio Mallet Soares, concluindo-o em 1958, também pelo Art. 91. Em 1959, obteve o Certificado de Conclusão do Curso de Massoterapia no IBC. Foi admitido, em fins de 1960, como massagista no hospital Pedro Ernesto, da rede pública do Estado da Guanabara. Trabalhou como massagista na Associação dos Servidores Civis do Brasil, no bairro de Botafogo. Ministrou aulas de massagem no curso Cooper por vários anos, quando teve oportunidade de preparar vários massagistas cegos. Graduou-se em História pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, em 1962. Em 15 de outubro de 1965, foi nomeado para exercer, interinamente, o cargo de professor do Instituto Benjamin Constant e, dois anos depois, já ocupava o quadro permanente como professor de Massoterapia, continuando na função de massagista do Hospital Pedro Ernesto. Seja como coordenador, seja como professor, criou condições para a consolidação e a expansão dos cursos de Massoterapia no IBC. Além de Massoterapia, João Delduck Pinto Filho lecionou História e Geografia no IBC, havendo, também, exercido o magistério em vários estabelecimentos de ensino médio e universitário do Município do Rio de Janeiro. Em 1978, obteve o grau de Mestre em História, pelo Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense- -UFF. Chefiou a Seção de Publicações para Cegos do IBC, de 1979 até 1991, sendo então responsável pelas edições de RBC e Pontinhos. Foi Chefe do Serviço de Estudos e Pesquisas do Departamento Técnico-Educativo, depois Departamento Técnico-Especializado, no qual permaneceu até abril de 1991. Exerceu, por muitos anos, a presidência da Associação Brasileira de Professores de Cegos e Amblíopes-ABPCA. Aposentou-se como professor do IBC em 11 de dezembro de 1991. De março a dezembro de 1996, ocupou o cargo de Vice-Diretor do Instituto. Posteriormente, foi designado Chefe de Gabinete da Direção-Geral (1996-1999) e Assessor da Direção-Geral (1999-2002). Teve dois livros publicados pela editora Forense: "Creche de Pau-a-Pique" (1991) e "Mato, Mar e Asfalto" (1999), nos quais não só aborda a relação deficiente/sociedade, como também nos delicia com crônicas e contos de sabores diversos. Este apaixonado pelo Botafogo de Futebol e Regatas faleceu em 29 de agosto de 2011. Por sua vida de realizações, o Prof. Delduck deixou uma contribuição inestimável para a história do Instituto Benjamin Constant, tornando-se merecedor de toda a nossa gratidão. Fontes de consulta: Diário Oficial da União- -DOU; Divisão de Pessoal do IBC; Livro "Instituto Benjamin Constant 150 anos de Poesia"; Prefácio do livro "Creche de Pau-a-Pique". õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

Kate de Queiroz Costa Kate: sua vida, "suas" revistas Escrito por João Batista Alvarenga e Daniele de Souza Pereira Kate de Queiroz Costa nasceu a 09/12/1941, na cidade de São Luís-MA. Filha de Nilamont Rocha da Costa e Waldemira de Queiroz Costa, é a caçula de três irmãos. Como seu pai era fiscal do imposto de renda e, à época, não havia muitos destes profissionais, era comum serem transferidos de tempos em tempos. Assim, entre uma mudança e outra, a família seguiu para a cidade de Manaus-AM, tendo Kate seis anos. Aos dez anos, já residindo em Uberlândia-MG, sofreu o primeiro descolamento de retina. Em busca de tratamento, seus pais a levaram para Campinas-SP, onde foi submetida a uma infrutífera cirurgia, que só lhe trouxe dois meses de total imobilidade num leito. Assim, Kate perdia a visão do olho esquerdo. A causa do descolamento? Disto ela não se recorda. Lembra-se apenas de ter coçado bastante o olho, o que pode ter acelerado o processo da perda. Em 1952, seu pai foi transferido para Taubaté- -SP; sua mãe, contudo, optou por residir no município do Rio de Janeiro-RJ, para que ela pudesse estudar no Instituto Benjamin Constant. Um ano depois, foi matriculada na Classe de Conservação da Visão (CCV), serviço destinado às turmas com visão reduzida. Após conhecer o Sistema Braille, Kate gostou tanto dele que resolveu aprendê-lo com colegas das séries mais adiantadas, simultaneamente com o sistema comum. Desta forma, não teve dificuldade nas séries do ginásio, obrigatoriamente cursadas em Braille, completando-o em 1961. No ano seguinte, prestou exame de Madureza (o supletivo de então), previsto no parágrafo único do artigo 99 da lei n.o 4.024, de 20 de dezembro de 1961, para conclusão do curso secundário. Posteriormente inscreveu-se no vestibular para o curso de Filosofia da atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que acabou abandonando, por julgar as aulas improdutivas. Kate iniciou sua trajetória profissional no IBC, em 1966, como prestadora de serviços na área de transcrição Braille, e nela permaneceu durante quatro anos, sendo aprovada em concurso interno logo em seguida. Em 1972, após um casamento que durou cerca de um ano, nasceu Leonardo de Queiroz Costa Bruno da Silva, seu único filho. Em 1974, agora transcritora efetiva, Kate forçava muito a vista a fim de enxergar os caracteres em alto-relevo, então transcritos, com máquina apropriada, em placas de alumínio a serem utilizadas como matrizes para impressão em papel. Os reflexos luminosos provindos destes clichês acabaram por provocar o descolamento da outra retina, com perda irreversível da visão. Após o trauma, ficou por aproximadamente um ano em casa para se recuperar; quis retornar, embora houvesse resistência dos médicos. Afinal, sua teimosia prevaleceu, porque o desejo de trabalhar com o Braille era mais forte e, assim, ela seguiu como revisora de textos. Mais tarde, coordenou um estágio/treinamento para revisores, aliás de muito boa qualidade. Em março de 1992, apoiada pela chefe da imprensa Braille, Anivan Pinto Martins, "abraçou" a coordenação de RBC e Pontinhos, contando, inicialmente, com o auxílio de Alfredo Rangel, que permaneceu ao seu lado por breve tempo. Foi um momento difícil para as publicações, por não haver quem as assumisse. Kate não foi indicada; mas, ante a necessidade, ela mesma se designou. Eis suas palavras: "Eu sabia que era feita para as revistas." Mulher objetiva, Kate declarou: "Levar entretenimento, informação e cultura a esta clientela é uma obrigação, um dever." E não apenas isto. Preocupada com o uso do Sistema Braille como fator indispensável e/ou complementar à solidificação do conhecimento na pessoa com deficiência visual, acrescentou: "A palavra escrita é indispensável à formação intelectual do cego, pois quem não lê jamais poderá grafar corretamente as palavras." Apaixonada pelas "suas" revistas e por amor aos "seus" leitores, Kate era capaz de se indispor com qualquer um, a qualquer momento, por eles! Auxiliada por seus ledores voluntários, cuja fidelidade sempre exaltou e a cuja dedicação ainda hoje se mostra profundamente agradecida, sempre trabalhou com honestidade, esforçando-se por oferecer o melhor de si. Por tudo isso, esta empreendedora manteve-se na coordenação das revistas por quase 20 anos, dela se afastando em 09/12/2011. Mas, apesar de afastada desta atribuição, sua paixão permanece: "Não gostaria que as revistas morressem jamais, pois são as únicas do Brasil." A seguir, um soneto em sua homenagem, escrito por Silvio Souza, um de seus amigos, em que foi preservada a redação do autor: "RBC E Pontinhos À Kate de Queiroz Costa Dos Cegos a Revista Brasileira Para bem longe leva informação Pontinhos não fica atrás é a companheira Dedos deslizam e brota emoção ¨ Dia após dia estás na sua lida Para as revistas matérias prepara Ao teu trabalho dedicas a vida Rindo ou chorando com zelo não para E aos teus ledores que os olhos te emprestam Teus leitores gratidão manifestam Muito prazer dá fazer sempre o bem

¨ Na poesia continuo falando Para os cegos estarei divulgando Minha poesia levam também." Fonte de consulta: *Revista Benjamin Constant* -- edição n.o 15 -- abril de 2000. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Paulo Felicíssimo Ferreira Respeito à dedicação -- Paulo Felicíssimo Escrito por Daniele de Souza Pereira e João Batista Alvarenga Talento e dedicação, eis os termos que melhor traduzem a colaboração prestada a RBC e Pontinhos, há quase uma década e meia, por Paulo

Felicíssimo Ferreira, como revisor final de textos. Simples, sempre bem-humorado e comedido, mas bastante determinado, não nos foi fácil convencê-lo a concordar com esta homenagem, quer por julgá-la desnecessária, quer pela circunstância, deveras constrangedora, de fazer a última revisão. Foram quase três meses, até que, numa atitude de grata gentileza e por amor à verdade deste conteúdo, resolvesse aceitar. Sua contribuição é exemplo de serviço voluntário por amor ao próximo, lição que o paciente mestre nos ensina com as palavras do parágrafo seguinte, transcrito de entrevista por ele concedida ao número de setembro de 2013 do Jornal Contraponto, periódico eletrônico da Associação dos Ex-alunos do Instituto Benjamin Constant: "Emprego é o trabalho remunerado por um patrão; trabalho é aquilo que deve ser realizado, a fim de se fazer jus a uma remuneração, provenha ela de pessoa física ou jurídica; serviço (ato de servir) é o trabalho com amor, seja ele remunerado ou não. Tenho certeza de que, tanto nas vendas ambulantes quanto no exercício do magistério, como autônomo ou já empregado no IBC, sempre trabalhei para servir e, portanto, com amor." Paulo Felicíssimo Ferreira nasceu em 28 de setembro de 1943, na cidade do Rio de Janeiro. Vítima de sarampo, cegou aos dois anos e dois meses, havendo sua mãe falecido na mesma semana. Ele e o irmão, que tinha deficiência mental, foram criados pela tia materna, a qual decidira casar-se só quando encontrasse alguém que aceitasse os sobrinhos, o que a levou ao matrimônio com um tio paterno. Eles, embora muito pobres, conseguiram dar-lhes todo o carinho e assistência possíveis. Foi matriculado no IBC em 1949; mas, por conta de crises asmáticas e uma intervenção oftalmológica, só concluiu o curso ginasial em 1961. Em 1962, a direção do IBC, mediante concessão de uma bolsa integral pelo colégio particular Melo e Souza, matriculou-o no curso clássico (2º grau de hoje). Mas, em virtude da extrema pobreza, que não lhe permitia sequer merendar, deixou a escola para trabalhar como vendedor ambulante. Quatro anos mais tarde, submeteu-se às provas do curso supletivo, a fim de recuperar um pouco do tempo perdido. Em 1970, prestou vestibular para o Curso de Letras, Português-Inglês, na Universidade Gama Filho, graduando-se em 1974. Apaixonado pelo cultivo das línguas, em razão do que, ainda no ginásio e graças à bolsa de estudos concedida pelo Instituto Brasil-Estados Unidos-IBEU, já concluíra, em um semestre, os outros quatro do curso básico de inglês, viria a tornar-se, de 1974 a 1981, professor autônomo na Companhia Light, então canadense, onde ministrou aulas a técnicos e engenheiros de eletricidade. Em 1982, foi empossado como professor do IBC, onde, além das aulas que ministrava, veio a ocupar os seguintes cargos administrativos: Coordenador da 2ª fase do ensino de 1º grau; Chefia do Serviço de Ensino e, finalmente, direção do Departamento Técnico-Educativo, depois Técnico-Especializado. Já na década de 1990, ministrou, por 2 anos, aulas de educação especial no Curso de Especialização de Professores na Área da Deficiência da Visão. A convite do governo canadense, visitou, em 1994, escolas especializadas do Canadá e dos Estados Unidos. Aposentou-se em outubro de 1997, pois já trazia 15 anos de contribuição como trabalhador autônomo. Mesmo já aposentado, trabalhou, como revisor final e avaliador de adaptações, em diversos projetos de transcrição de livros didáticos para o ensino regular e deu aulas em três cursos para estes profissionais. Com muita luta e superação, Paulo Felicíssimo Ferreira construiu uma carreira vitoriosa e honrada, sendo respeitado por todos aqueles que o conhecem. Por isso, registramos aqui nosso carinho e nossa admiração por este grande professor, o qual nos transmite mais este ensinamento, também extraído da entrevista já mencionada: "Se prestarmos, sempre, todo o serviço que pudermos, só pedirmos aquilo de que realmente necessitarmos e agradecermos por tudo quanto recebermos, seremos mais felizes, e os outros também." Fonte de consulta: *Revista Brasileira para Cegos* -- n.o 528 -- dezembro de 2008. õxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxo Fim da obra Trancrição: Jorge Luiz Frazão de Figueiredo Revisão Braille: João Batista Alvarenga